Cidadania. O patrimônio cultural e a formação do individuo

Nota di pubblicazione

PT (br) – Texto da palestra do dia 27 de agosto de 2019, realizada no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Câmpus de Rio Claro. A palestra foi introduzida pela prof.a Joyce Mary Adam e contou com o apoio do prof. José Euzébio de Oliveira Souza Aragão, do Departamento de Educação. Infelizmente è reproduzida com todos os erros de portugues e a falta de acentos.

ITA – Testo della conferenza del 27 agosto 2019, tenuta all’Istituto di Bioscienze dell’Università Statale Paulista, Campus di Rio Claro (São Paulo), Brasile. La conferenza è stata introdotta dalla prof.ssa Joyce Mary Adam e ha contato sull’appogio del prof. J. E. de Oliveira Souza Aragão, del Dipartimento di Educazione.

PALESTRA

Cidadania. O patrimônio cultural e a formação do individuo

A palestra descreve o conceito e o valor do patrimônio cultural em termos de formação do cidadão, através do conhecimento das características que compõem a definição desse patrimônio em um nível teórico e prático. Quanto mais o cidadão conhece o patrimônio cultural de seu país, mais ele entende a influência em sua identidade, sua visão de mundo, a realidade que o rodeia, bem como as possibilidades de desenvolvimento social e econômico, para contribuir para o aprimoramento e preservação do patrimônio. Formar o cidadão como sujeito ativo e operante em seu contexto cotidiano, passa necessariamente pela consciência de identidade e patrimônio cultural, a conseqüência de ações e omissões, o uso de experiências, manifestações e memórias que permeiam a sociedade, pois são igualmente influenciadas por esse patrimônio cultural. A educação è, portanto, a área em que a cidadania e o patrimônio cultural são postos em relacionamento ativo e crítico.

Local: Anfiteatro II do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Câmpus de Rio Claro.

Data: 27 de agosto de 2019

Horário: 19h30min

Palestrante: DOUTOR MARCO FERRARI

Pesquisador no Departamento de História, Património Cultural, Formação e Sociedade – Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Roma “Tor Vergata”. Pesquisa sobre relação entre educação, democracia, comunicação e inclusão social, com especial atenção à dimensão comparativa entre os modelos pedagógicos internacionais. Atualmente contratado pelo projeto de pesquisa: “Pedagogia e Aprendizagem ao Longo da Vida no Brasil”. Autor de vários trabalhos acadêmicos dentre eles, os livros Biblioteca e formazione della cittadinanza attiva nell’era digitale, Anicia, Roma 2015, e Radici hegeliane nel pensiero di John Dewey, Aracne, Roma 2014.

ORGANIZAÇÃO:

Departamento de Educação

Conselho de Curso de Licenciatura em Pedagogia

Programa de Pós-Graduação em Educação

Instituto de Biociências

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  1. Introdução
  2. Patrimonio cultural e cidadania ativa
  3. Espaço, memoria e poder
    • Proteção e valorização
  4. O que è Cidadania?
    • Direito de cidadania, direito à cidadania
    • Cidadãos, súditos e burgueses
  5. Etica e esfera publica
  6. Educação e totalitarismo
  7. Educação e democracia
  8. Pedagogia crítica contra funcionalismo

1. Introdução

Boa noite a todos, obrigado por terem vindo. Primeiramente, gostaria de agradecer as autoridades academicas da UNESP de Rio Claro, pela oportunidade de estar aqui hoje, num lugar tao importante, para compartilhar algumas reflexoes com voceis. Reflexoes sobre um argumeto teorico (explicitado no titolo dessa palestra) que, contrariamente a quanto algumas pessoas acreditam, è muito concreto e tem influencia e consequencias praticas, sobre as vidas de individuos, povos e naçoes no mundo todo.

Mesmo por isso, a quantidades de topicos a enfrentar seria potencialmente enorme. O que tentarei de fazer hoje è de fornecer possibilidades de refletir sobre a cidadania, atraves de varias linhas de pensamento conectadas ao patrimonio cultural, historico e artistico de uma naçao e da humanidade. O “anel de junçao” desses dois topicos tao grandes, è afinal a formaçao do individuo, a educaçao para ser um cidadao ativo, isto è, consciente e operante na sociedade.

Veremos assim algumas carateristicas fundamentais de cada topico e os problemas que os ligam um ao outro, para orientarmos em um discurso maior, complexo e virtualmente inesaurivel, que espero cada um de voceis continuarà a elaborar de maneira critica na propria cotidianidade.

Antes de começar com a palestra, peço desculpa pelo meu portugues ruim, tentarei falar o mais claramente possivel, e se nao dar, a minha amada esposa Carla Regina me socorrarà. Ao mesmo tempo, estarei lendo uma relaçao para nao perder o foco do discurso, que jà em italiano me levaria a falar por horas, e em portugues (ou qualquer outra lingua estrangeira) levaria potencialmente a um desastre. Entao vamos mergulhar-mos nos topicos de hoje.

2. Patrimonio cultural e cidadania ativa

A noção de “patrimônio cultural” tem várias características. Pode se referir a bens materiais, objetos aos quais o valor histórico e cultural é atribuído; mas também para obras intelectuais, como composições literárias e performances musicais, cujo valor não está necessariamente ligado à fisicalidade, resultando em bens intangíveis. Da mesma forma, o território é caracterizado por muitos elementos que se referem à cultura, sejam eles recursos naturais ou locais de eventos históricos: neste caso, falamos de bens da paisagem.

A natureza fundamental deste tipo de bens, no entanto, reside na sua identidade peculiar, que é precisamente cultural: nela, história, costumes e tradições são combinados a memória de uma civilização, de um lugar, de uma população. Essa memória pode ser tão local quanto nacional; e toda realidade tem um patrimônio histórico-cultural que tem profunda influência na identidade das pessoas que a criaram, mesmo em nível internacional. Por esta razão, a UNESCO elabora uma lista de bens culturais cuja importância não se limita às localidades de que são expressão, mas que se torna um elemento que caracteriza todas as culturas do mundo, constituindo assim um patrimônio da humanidade, que pertence a todos seres humanos, cuja proteção é importante além das fronteiras.

Toda pessoa, todo cidadão, portanto, tem um conjunto de direitos e deveres a esse respeito. O direito de aproveitar o patrimônio cultural, conhecê-lo, observar seus bens, encontrar seus próprios valores e características identitárias neles refletidos; o dever de protegê-lo, salvaguardá-lo através de instituições capazes de assegurar a sua conservação e protecção; enfim, o direito e, ao mesmo tempo, o dever de valorizar esse patrimônio, de promover sua acessibilidade, conhecimento e implementação no âmbito turístico, econômico e social.

A cultura é o que forma as pessoas, então é a base sobre a qual construir a identidade como cidadãos. “Cidadania”, como veremos, não significa apenas possuir documentos que provem pertencer a um sistema de direito supra-individual. Significa também, acima de tudo, a participação na vida coletiva, a resolução de problemas, a formação de valores sócio-políticos e a produção econômica. A diferença entre cidadão e súdito reside na liberdade de participação no processo de tomada de decisão, é em suma a diferença entre democracia e tirania (em qualquer forma que ocorra); mas para que a democracia funcione e a participação seja eficaz, a cultura deve ser livre e a educação deve ser expandida para além da educação escolar. Cidadãos experientes e informados, capazes de compreender seu próprio valor, seu papel e o significado de ações individuais e coletivas, são cidadãos capazes de influenciar o curso dos acontecimentos, em vez de se deixar arrastar e dominar: essa é a diferença entre uma cidadania ativa e uma cidadania passiva.

O patrimônio cultural e a cidadania são, portanto, duas áreas afins, que se influenciam mutuamente. Uma cidadania ativa inclui o valor do património cultural para a sua própria formação e identidade, salvaguardando-o e reforçando-o, perpetuando-o, transmitindo-o às gerações subsequentes. Pelo contrário, uma cidadania que não se interessa tanto pela participação como pela cultura deixa sua herança de degradação, correndo o risco de perdê-la; em não usá-lo, não o entende, portanto não o valoriza. Ambas as atitudes não se limitam à esfera cultural, mas se refletem em todos os aspectos da vida social.

3. Espaço, memoria e poder

Vamos agora por um olhar historico sobre essa relaçao entre culturas e identidades.

Os bens culturais, comumente entendidos, são uma concepção moderna. No entanto, a preservação de objetos e lugares com memórias e símbolos remonta pelo menos ao mundo greco-romano, expressando necessidades enraizadas na natureza humana desde o início. Os primeiros exemplos de conservação, portanto, dizem respeito ao sagrado, o que se refere ao divino, pois eles têm uma matriz religiosa e espiritual. O ídolo, o templo, a área onde os rituais acontecem, são todos elementos considerados dignos de um profundo respeito e, portanto, intangíveis. Para eles, a consideração é tal que sejam respeitados mesmo nos momentos mais difíceis, como em tempos de guerra. O lugar sagrado é delimitado por sinais claros que, além do objeto / edifício representativo do deus ou da deusa, incluem também as paisagens e os recursos naturais circundantes (água, pé de frutas, etc.); assim entrar em um território sagrado significa entrar na morada terrena dos deuses. Ou melhor, significa entrar em uma área de fronteira entre o divino e o humano, um lugar que é, na verdade, “fora do mundo”, no qual regras e leis humanas não são válidas, e profanar sua santidade implica desgraça.

Isto é porque a proteção do lugar deriva da divindade venerada nela; a entidade superior e imortal, à qual são dirigidas as orações e os rituais, é também motivação para a custódia que pertence aos mortais, de geração em geração, para a eternidade. Torna-se assim claro como o lugar sagrado é ao mesmo tempo memória e advertência, tradição e produção de regras de comportamento, que formam o futuro a partir da história passada. Por esta razão, em tempos de guerra, os templos foram talvez os únicos lugares a não serem saqueados e devastados: por exemplo, Xerxes, o rei persa que travou guerra à Grécia, depois de ouvir a história das tradições de culto ligadas ao Templo de Zeus Lafisto na região de Acaia, ordenou que seu exército não tocasse no templo, mas acampasse respeitosamente fora do perímetro sagrado.

O culto do lugar sagrado não se limita aos templos, mas também inclui lugares onde a história teve seus momentos de grandeza. A mesma sacralidade dada aos deuses é estendida aos lugares de fundação: sagrados são os lugares da memória coletiva dos assentamentos gregos e, mais tarde, a instituição governamental da polis grega extrai legitimidade da memória, tanto histórica quanto mítica, de seu fundador, e deste simboliza a ação. Em Atenas, o navio com que Teseu retornou vitorioso de Creta depois de matar o Minotauro foi preservado como uma relíquia que provava a tangibilidade do mito, e todo governante tinha que sujeitá-lo à manutenção regular para não deixá-lo arruinar-se, perdendo-se. O histórico da memória e o mito fundador foram protegidos e garantidos por lei.

Outro exemplo: na Roma antiga, o influxo de obras de arte como espólio e conquista de guerra, especialmente se vindo da Grécia, aumentou a sensibilidade para a preservação de expressões culturais “estrangeiras”, tanto para a beleza ornamental que encheu a residências dos romanos mais ricos, tanto pela função de transmitir diferentes valores culturais.

Hoje, nos tempos modernos e contemporâneos, as memórias da pátria são consideradas igualmente sagradas, o que legitima a existência de estados-nação. Embora não exista o mesmo fardo religioso, é ainda uma expressão de valor espiritual e civil, atribuída aos eventos fundantes e aos grandes acontecimentos históricos que moldaram a identidade nacional. Lugares, cidades, museus, monumentos, todos se tornam depósitos de história, de memória local e coletiva, nos quais a proteção se torna um momento fundamental de recuperação e reelaboração que molda a identidade dos cidadãos. Em outras palavras, passamos do reconhecimento artístico e estético ao reconhecimento histórico, à memória trazida a um monumento particular. A mesma etimologia do termo “monumento” vem do verbo latino monére, que significa “admoestar, lembrar”, até certo ponto em referência aos sepulcros, mas mais geralmente a tudo que testemunha uma memória, que traz uma lembrança de alguém, de alguma coisa, ou de ambos.

De fato, ao longo dos séculos, o monumento representou a memória mencionada, bem como o alerta da presença do poder, que afirma sua extensão sobre o território através da obra em si; ao contrário – há um exemplo na França revolucionária: no período do “vandalismo”, muitos testemunhos do Antigo Regime foram destruídos pela fúria iconoclasta dos revolucionários, mas naquele momento o mesmo governo percebeu a importância de preservar a monumentos, para lembrar a história que trouxe a França para a Revolução. Todos os bens da Coroa e da Igreja são nacionalizados, constituindo o primeiro exemplo oficial de “herança” pertencente a todos os cidadãos.

3.1 Proteção e valorização

A proteção e a valorização de bens culturais são dois campos que não podem ser tratados separadamente, exceto em relação a questões específicas. Como é evidente, a salvaguarda de um ativo tem sua razão de ser na possibilidade de usá-lo, o que é tanto mais possível quanto mais o bem é valorizado. Questões específicas realmente dizem respeito às áreas de competência.

A proteção, tanto na Itália como em muitos outros países (principalmente europeus), é de competência exclusiva do Estado, que promulga leis e regulamentos, organiza infraestruturas institucionais responsáveis pelo cuidado dos bens culturais, provê recursos financeiros, logísticos e humanos para o desempenho de tarefas relacionadas; todo o funcionamento do aparato de proteção é baseado em escolhas políticas precisas, em projetos de curto, médio e longo prazo, em visões e tendências ditadas pela sensibilidade e preparação da classe dominante. Isto implica que uma má vontade política torna a proteção ineficaz, pelo contrário, uma boa vontade aumenta a sua eficácia.

A valorização, por outro lado, diz respeito a todos os cidadãos. Baseia-se na cooperação entre órgãos públicos e órgãos privados, Estado e Regiões, entre o nacional e o local; na conscientização da importância cultural do patrimônio histórico e artístico nacional, nas iniciativas para promover a proteção contra a degradação, a disseminação de informações, o uso econômico do patrimônio cultural (o que significa acima de tudo turismo), a fim de aumentar e expandir o uso . Está, portanto, aberto à participação e aumenta se tende a criar um quadro unificado (de local e fragmentado para um sistema nacional de exploração).

Melhorar a fruição significa aumentar o potencial comunicativo de um bem cultural, que pode ser expresso com dois objetivos: o social e o cultural específico. O objetivo social é o aumento da riqueza de valores dentro da sociedade, a expansão das relações culturais internas e externas, o fortalecimento da conexão entre o bem e a comunidade da qual ele é o fruto. O propósito cultural específico (do bom) é a percepção de que o valor não é apenas financeiro, o que muitas vezes reduz a exploração econômica, mas é principalmente e predominantemente um valor cultural ligado às características específicas de um ativo, muitas vezes único , que pode ser explorado de maneiras igualmente específicas.

4. O que è Cidadania?

Quando falamos de “cidadania”, entendemos pelo menos dois significados principais:

  • O status politico-juridico do individuo, isto è, a apartenencia a um sistema socio-politico organizado por uma Lei Fundamental (Constituiçao), que governa um territorio (Estado-naçao) e define e proteje os direitos e os deveres nos niveis civil, social e politico;
  • A apartenencia a um grupo maior de individuos, que reconhecem-se numa cultura e numa lingua comum, compartilhando uma historia coletiva, valores eticos e morais, territorios bem definidos.

Cidadania, contudo, è um conceito bem complexo. Nos ultimos 200 anos, acabou se fundindo com a nacionalidade, ou seja, a apartenecia a um povo mais ou menos definido em sua identidade nacional; foi alvo de manipulaçoes pelo governos autoritarios, em particular pelas ditaduras totalitarias do seculo XX; acabou “presa” em interpretaçoes e tentativas teoricas de varia natureza, ligando-a aos direitos, aos deveres, aos principios de inclusao e, specularmente, de exclusao, que caraterizam as demais sociedades.

Segundo Aristóteles, o ser humano é um “animal político”, a partir da ideia de polis como cidade e sociedade (muitas vezes a tradução “animal social” é preferida para evitar confusão, mas o significado é o mesmo): no contexto de polis, todo ser humano age trazendo sua particularidade individual em comparação com a de seus companheiros, sendo garantido pelo sistema ver-se reconhecido como sendo igual aos outros. A polis (“cidade” em grego) é o espaço público, o mundo comum em que as relações humanas são possíveis; nela, os homens se mantêm juntos, mantendo tambem uma distância que os mantém indivíduos (com a comunicação, a linguagem que afirma o indivíduo ao relacioná-lo a seus pares). Quando esse espaço se torna mais fino, eles perdem sua individualidade e assumem a aparência de uma massa amorfa: isso é característico, nos tempos modernos, dos regimes totalitários, como veremos.

O cidadão é então um sujeito social, cujos direitos são protegidos pela ordem jurídica constituída, que também determina seus deveres. Esse status implica pertencer a uma nação ou, em qualquer caso, a uma sociedade; é esse pertencimento que confere direitos e deveres, com uma correspondência inseparável, dado que diferentes tipos de sociedade correspondem a direitos e deveres diferentes. Fora do sistema legal, privado de pertencimento, a pessoa não tem mais cidadania e é definida como “apátrida”, ou “apolide” em italiano, que é literalmente “sem cidade”, sem pátria.

Segundo Hannah Arendt, a questão do status político e jurídico do sujeito deve ser abordada pela criação de uma teoria normativa da cidadania, que supere as dicotomias e ambigüidades e se afaste do ser humano como tal, antes e além das questões de pertencimento. A diferença fundamental entre democracia e ditadura reside no reconhecimento do indivíduo em si, do homem como tal, de ser portador de direitos: se a proteção deriva do Estado, mas esse Estado é totalitário, baseado em uma visão ética ou teocrática então o poder pode decidir não proteger aqueles cidadãos que não se conformam com a ideologia dominante, excluí-los da comunidade homogênea e torná-los verdadeiros párias (termo derivado da mais baixa casta do sistema social hindu, a dos “intocáveis” , sem direitos). A teoria normativa da cidadania, que é absolutamente democrática, é, em vez disso, o direito de ter direitos.

4.1 Direito de cidadania, direito à cidadania

Das ideias do Iluminismo, com a apoteose do indivíduo que é detentor dos direitos naturais, surgiu a revolucionária Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em total contraste com os regimes absolutistas anteriores. Aqui a distinção entre cidadãos e homens é sancionada, de modo que existem os direitos da personalidade, que pertencem a todos os seres humanos, e os direitos de cidadania. A ambiguidade devido à incerteza de onde chegam as duas classes de direitos é resolvida pela Lei eleitoral de 22 de dezembro, na qual se distinguem cidadãos ativos e cidadãos passivos. Os primeiros têm os direitos políticos, os últimos os direitos naturais. Isso significa que o cidadão tem mais direitos humanos, porque ele tem o poder de se determinar como bem entender, na área que lhe é designada, pela garantia de que nenhuma autoridade se intrometerá em sua liberdade. Em vez disso, o homem é um sujeito livre, simplesmente submetido à autoridade dos outros; isto é, o homem é realmente senhor de si mesmo apenas se for um cidadão.

A distinção entre essas duas classes de direitos pode ser mais clara referindo-se à distinção entre duas perspectivas jurídicas diferentes: por um lado, há o giusnaturalismo, ou lei natural, um conjunto de teorias muito variadas que tendem a destacar como existem certos direitos (de fato). aqueles que hoje se definem como “civis”, como liberdade, propriedade, autodeterminação, igualdade, segurança, etc.) que pertencem à humanidade, por sua própria natureza, direitos inatos que podem ser rastreados até uma matriz divina ou natural, geralmente imutável e superior a qualquer lei emitida por autoridades e instituições. Por outro lado, há o positivismo jurídico, que, pelo contrário, leva em conta a historicidade das leis e dos sistemas jurídicos, atribui o fundamento dos direitos à realidade das mudanças históricas e das decisões políticas e define as leis “ seres humanos “como a fundação da sociedade, independentemente das autoridades imutáveis ​​e extraterreno. Ambas as configurações têm suas forças e fraquezas como sempre, especialmente se levadas ao extremo, mas é interessante notar que em todos os discursos sobre direitos humanos existe uma mistura das duas visões legais e isso ajuda a fazer com que os sistemas evoluam.

A questão da cidadania é muito forte hoje; seu conceito jurídico foi gradualmente identificado com a dimensão territorial do Estado nacional, para o qual as duas classes de direitos se unem inescapavelmente, dado que a cidadania se torna um elemento constitutivo da pessoa, de modo que a individualidade de cada indivíduo é exaltada. coletividade, unificada com base no princípio da nacionalidade. Assim, a cidadania é reduzida a distinguir entre membros de diferentes nações. Ao substituir a nação pela cidadania, o cidadão é substituído pelo povo, as fronteiras nacionais tornam-se o limite para o reconhecimento dessa cidadania reduzida. Aplica-se também aos direitos humanos, com a lacuna criada entre cidadão e estrangeiro para a referência necessária a uma ordem que garanta direitos.

As idéias expressas por Arendt na obra As origens do totalitarismo (1951) partem do paradoxo acima mencionado dos direitos humanos: a humanidade não encontrou nada de sagrado na nudez abstrata do ser humano, daí a emergência da figura sem pátria salienta que só a cidadania garante proteção e reconhecimento, em que o simples indivíduo em si não conta para nada. Tomando a perspectiva de Aristóteles, o homem como tal é precisamente o apátrida, que perdeu seu pertencimento e, portanto, seus direitos, e pode se tornar o alvo da sociedade que não mais o protege. Os grandes e dramáticos acontecimentos do século XX privaram grupos inteiros de pessoas do seu direito de ter direitos, transformando-os em apátridas, em estrangeiros indesejados, para sempre, não reconhecidos por ninguém, protegidos por ninguém, aceitos por ninguém. Seus membros são privados dos direitos considerados inalienáveis ​​e universais. A apatridia torna-se assim o verdadeiro fenômeno de massa da era moderna, devido à concepção totalitária de estados dispostos a perder cidadãos em vez de aceitar dissidentes. Paradoxalmente, observa Arendt, um criminoso tem mais proteção na prisão do que um apátrida livre.

Então a figura do pária entra em jogo: o homem genérico, desprovido de qualquer qualidade e, portanto, também livre para se autodeterminar; pária por definição é o judeu. O povo judeu tinha a alternativa, no século XIX, entre a fidelidade ao judaísmo e a assimilação nos Estados de acolhida: isso produziu, por um lado, o pária, que permanece excluído por sua autodeterminação; do outro, o surgido, assimilado na sociedade pelo repúdio da identidade em público e a manutenção em público. Mas isso levou apenas à ambiguidade das relações entre sociedades e judeus assimilados, cujos sucessos e fracassos foram sempre e de qualquer modo atribuídos à sua “origem odiosa”, reduzindo o judaísmo a uma qualidade psicológica (anti-semitismo). A necessidade de um status político-jurídico que defenda os párias contra a perseguição e os abusos depende dessa questão. A igualdade entre homens não é um fato natural, mas é politicamente construída dentro de um espaço público, fora do qual vivemos na marginalização de uma diversidade discriminada. Se a sociedade, para assumir o conceito de polis, é esse espaço público, então as diferenças entre os homens são resolvidas na igualdade do momento social.

4.2 Cidadãos, súditos e burgueses

A controvérsia entre Bruno Bauer e Karl Marx, expressa nos dois ensaios A questão judaica de Bauer e a resposta Sobre a questão judaica de Marx (ambas de 1844), destaca várias questões relativas à cidadania. A “questão” diz respeito à emancipação política dos judeus alemães: enquanto na França os judeus foram libertados dos guetos com a Revolução, tornando-se cidadãos plenos na Alemanha, eles ainda tinham muito poucos direitos. Após as guerras napoleônicas, a derrota de Bonaparte e a reorganização decidida pelo Congresso de Viena no sentido de uma restauração do antigo regime, o debate sobre a diferença entre cidadão e sujeito é mais uma vez proposto: na França, apesar da restauração, os franceses são cidadãos participar das decisões de poder e ter seus direitos; na Alemanha, os alemães são sujeitos, sujeitos de todas as maneiras ao poder da monarquia absoluta. Para os judeus, a situação é pior como vítimas de discriminação religiosa: por exemplo, dado que na visão cristã o dinheiro é mau, nenhum cristão pode trabalhar lá; sendo os judeus já amaldiçoados e, portanto, não tendo nada a perder, eles são os únicos que podem tratá-lo, tanto que eles se tornam os primeiros banqueiros / usurários. Além disso, eles não podem fazer mais nada, para não “infectar” a sociedade cristã.

Bruno Bauer argumenta que enquanto a sociedade feudal é orgânica e imóvel e todo homem tem seu lugar estabelecido, que é “herdado” por seus descendentes, no capitalismo a sociedade adquire uma dimensão mais liberal no estado moderno, mas estimula a reação do antigo sistema com o nascimento de corporações, que bloqueiam a mobilidade social em que todos teriam a oportunidade de melhorar suas condições. Estados que se dizem cristãos, como a Prússia, ou que têm religiões monoteístas, são geralmente intolerantes; Os judeus podem então ser cidadãos em um estado cristão? Para Bauer, os judeus devem exigir a emancipação não apenas para si mesmos, mas para todos, porque ninguém é livre em um estado cristão, tanto que os próprios cristãos são forçados a ser assim, sem poder escolher ser ateus. O Estado moderno é, portanto, baseado no princípio da exclusão: aqueles que não são cidadãos não podem usufruir desses direitos dados pelo Estado, porque não fazem parte dele.

Liberdade para os judeus faz parte da questão muito mais importante das liberdades civis. O Estado é uma organização territorial destinada a proteger e dominar as populações que fazem parte do território do Estado; aqueles que não fazem parte deste território estão excluídos dos direitos que o Estado concede. Bauer argumenta que, se a religião se torna privada, a emancipação política é possível.

Para Marx, a emancipação política não é suficiente, porque arrisca cristalizar a situação, deixando o escravo. A mudança está na emancipação da religião: se se torna um assunto privado, nada muda, porque a religião é um sintoma do desconforto da condição humana. Além disso, enquanto a religião era a base do mundo feudal, agora o laço social é baseado no dinheiro, que substituiu a religião como um aparato hegemônico no mundo moderno.

Aqui Marx introduz o coração de seu discurso: a diferença entre bourgeois e citoyen (“burguês” e “cidadão” em francês), isto é, o homem na vida privada e o homem na vida pública, uma diferença que reflete a divisão entre Estado e sociedade civil. Para mudar a questão para o nível mais alto, Marx não se limita (como Bauer) às sociedades liberais européias em oposição à monarquia prussiana, mas examina o país mais avançado das liberdades civis, os Estados Unidos da América. Na esfera pública do Estado, o homem-cidadão é formalmente igual a todos os outros em direitos e deveres, mas na esfera privada da sociedade civil o homem burguês está imerso em uma realidade muito diferente: existem enormes diferenças na economia. de poder e meios baseados na riqueza possuída, que desequilibram a sociedade entre aqueles que são capazes de fazer tudo e aqueles que não podem pagar nada. Nesta perspectiva, o Estado e a política se tornam um mascaramento das reais condições econômicas e sociais; De que adianta desfrutar de direitos iguais para todos, se permanecerem desigualdades substanciais?

Um sintoma de separação está nos Direitos do homem e do cidadão: existe um homem que não é cidadão? Este “homem” é o participante da vida social (bourgeois), enquanto o “cidadão” participa do estado (citoyen). Direitos humanos são direitos do homem separado da comunidade. Marx e Bauer concordam em criticar a teoria dos direitos humanos e cidadãos como desenvolvida na Revolução Francesa. O fundamento dos direitos humanos não esiste: eles são um produto da história, com o fim do feudalismo pela burguesia, que os proclama. O direito sempre presente é o direito inalienável à propriedade, é o centro de todos os direitos, que são funcionais para a propriedade (o que às vezes nega direitos). É a autoridade política estatal que garante os direitos para garantir essa propriedade, mas sem o poder do estado os direitos não existem. Os direitos individuais são o produto do mundo moderno, porque é apenas no capitalismo que o indivíduo se torna mais importante que a comunidade.

5. Etica e esfera publica

Segundo Jürgen Habermas, um filósofo alemão formado na Escola de Frankfurt e posteriormente destacado da teoria crítica, a comunicação social pode levar ao embasamento de valores éticos advindos do discurso. Isso acontece em vários estágios que podemos tentar resumir. A opinião pública decorre da interação de vários sujeitos sociais: a comunicação entre grupos no espaço público de participação democrática resulta na partilha de opiniões e idéias partidárias, às quais se acrescenta de alguma forma “maioria” e, portanto, adquire um valor de influência, de pressão sobre mecanismos sociais e políticos. Esse debate coletivo enfoca os problemas de interesse comum e baseia-se no método da argumentação racional, e não na autoridade ou tradição; se é verdade que na sociedade capitalista dominada pela mídia a esfera pública passou a ser reduzida a um lugar de consentimento forçado, também é verdade que as democracias ocidentais abriram caminho para um modelo de sociedade capaz de resolver consensualmente conflitos de interesse que surgem entre seus membros / grupos. Em outras palavras, Habermas se destaca do pessimismo subjacente à crítica francoportense e reavalia extensivamente o moderno estado de direito.

A evolução dessas idéias resulta na filosofia da comunicação, que configura um paradigma intersubjetivo no qual o sujeito não é uma consciência solitária que interage com o ambiente, mas um sujeito público linguisticamente estruturado: a consciência subjetiva é formada dentro de um comunidade lingüística, pois a relação entre sujeito e linguagem não é apenas semântica ou sintática, mas pragmática, que se baseia no uso que o primeiro faz do segundo. O paradigma intersubjetivo é então um paradigma dialógico, isto é, de interação entre múltiplos sujeitos através do diálogo.

A resultante teoria pragmática da linguagem investiga então as condições universais e necessárias que fundamentam qualquer comunicação lingüística possível que vise à compreensão. Para Habermas, qualquer um que participa de um argumento racional racional pressupõe implicitamente algumas reivindicações universais de validade. Essas reivindicações são: a correção (todo argumentante é obrigado a respeitar as regras que regem a situação argumentativa, por exemplo, ouvindo as teses dos outros ou retirando as suas quando a falsidade é comprovada); a verdade (todo argumentante é obrigado a formular declarações existenciais apropriadas, em nome de um conhecimento proposicional compartilhado); veracidade (todo argumentador é obrigado a se expressar com sinceridade e ser persuadido do que ele diz). A estes devemos acrescentar o pedido de compreensibilidade, isto é, o fato de que o discurso deve ser intersubjetivamente inteligível. Obviamente, é suficiente que apenas uma destas reivindicações não seja satisfeita porque o acordo entre os interlocutores não ocorre e a possibilidade de uma discussão racional cessa. Além disso, essas regras implicam que a comunicação ocorre entre seres iguais e livres de condicionamento externo ou interno, de modo que as posições não são ditadas pela força, autoridade ou interesse, mas apenas pela capacidade de convencer as melhores razões.

O resultado dessa teoria pragmática da linguagem é a próprioa ética do discurso. A satisfação de todas as reivindicações cria a condição discursiva ideal, formando um modelo de sociedade justa, baseada na igualdade dos participantes no diálogo, na solução racional dos problemas através dos mesmos e, portanto, na partilha e universalização dos interesses. De fato, Habermas afirma na obra ética do discurso (1983): “toda regra válida deve satisfazer a condição de que as conseqüências e efeitos secundários derivados (presumivelmente) de tempos em tempos de sua observância universal quanto à satisfação de cada indivíduo, possam ser aceitos por todos os interessados”. O modelo de comunidade democrática (ideal) torna-se uma norma para seguir e tender para a sociedade real, com todas as suas falhas e disfunções. A ética do discurso é, portanto, uma hipótese teórica em um nível elevado de generalização, porque é aplicável à participação pública de todas as sociedades, de todos os grupos, de todas as comunidades. É, portanto, uma ética que busca um fundamento racional de normas éticas, em vez de deixar sua formulação baseada em desejos e decisões irracionais; refere-se apenas aos princípios da ação justa e eqüitativa; estabelece procedimentos, ou formas, para a ação comunicativa, sem impor conteúdos e normas específicas (que seriam preceitos “ideológicos” de várias maneiras); finalmente, permanece universalmente válido, porque não expressa as idéias culturais de uma civilização particular, mas está centrado em como argumentar racionalmente, seja quem for.

6. Educação e totalitarismo

[slide 9]

O conceito de “totalitarismo” foi definido em termos fundamentais por Hannah Arendt, que encontrou nas grandes ditaduras europeias alguns pontos em comum no que diz respeito à organização político-social (controle generalizado da vida dos cidadãos, partido único no poder, ideologia como “projeto de ação” para toda a sociedade civil e para o Estado, um aparelho repressivo particularmente eficiente e brutal, a arregimentação dos jovens, etc.), apesar da forte oposição em termos de fundar ideais e concepções do mundo. A homologação de identidade, conseqüente à tentativa de definir a “fisionomia” da comunidade e seus membros, baseia-se no princípio da exclusão, para o qual a diversidade (de opiniões, raça, classe, etc.) é negada e toda a indivíduos que não se enquadram nos cânones escolhidos para a definição da identidade nacional unitária são excluídos da participação social.

Nesse sistema fortemente estruturado, a educação é naturalmente um meio de enorme importância para a formação do modelo de cidadão. A educação totalitária anula direitos democráticos e aberturas, subordina as necessidades individuais às do regime e se estende para além da escola, para organizar o tempo livre dos alunos. O Estado, que com o advento da sociedade de massas assumiu o papel de orientar e organizar as sociedades modernas, em regimes totalitários é exaltado e exasperado em suas qualidades (e, portanto, também em seus limites) como um aparato unificador de pensamento e ‘ação; a educação e as práticas pedagógicas estão, portanto, em harmonia com os programas de desenvolvimento econômico, político e social, levando o planejamento nacional a níveis jamais alcançados na virada dos séculos XIX e XX. Vamos, portanto, examinar os três principais totalitarismos europeus, fascismo, nazismo e stalinismo, assumindo-os como paradigmas, para traçar não apenas os pontos comuns, mas também as diferenças.

[explicação breve dos tres, seguindo a slide em cima]

Em conclusão, no totalitarismo, a educação de massa emerge das suas agências canónicas, nomeadamente escolas e famílias, para se espalhar na sociedade civil e ocupar mais espaço e tempo. Não se baseia no desenvolvimento de singularidades, especificidades individuais, mas na adesão a estilos de vida compartilhados, culturas e organizações homólogas que permitem o controle das massas. Com a Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazi-fascismo, e depois com o contraste entre blocos geopolíticos (capitalismo versus comunismo) durante a Guerra Fria, os ambientes educacionais dos regimes totalitários sofreram uma desvalorização e uma crítica negativa sem apelo. Não há dúvida de que essa atenção generalizada à totalidade da vida individual é culturalmente pobre e estrategicamente malsucedida, autoritária, imponente e conformista; a organização de atividades extracurriculares é, de fato, o método mais eficaz para enquadrar a população em um projeto estatal unitário que, ao mesmo tempo, se torna uma comunidade homogênea. Mas devemos também ressaltar a importância de uma educação estendida para além de suas agências formais, como um problema central na sociedade de massa, mesmo em um contexto democrático: a extensão do momento educacional a toda experiência de vida, para o qual o desenvolvimento individual e A equipe encontra em seu próprio contexto um solo fértil, uma sociedade educativa onde todos encontram ferramentas e oportunidades para melhorar e se treinar, contribuindo para a melhoria da própria sociedade. Os totalitarismos perceberam o problema, dando-lhe, no entanto, respostas coercivas e brutais.

7. Educação e democracia

A evolução da educação nos diferentes sistemas de sociedade de massa tem sido complexa e não é fácil resumir sem negligenciar questões importantes; no entanto, pode-se tentar destacar alguns exemplos particularmente significativos, para as democracias enxertadas no capitalismo.

O século XX da pedagogia abre com a experiência do ativismo e da Escola Nova, um movimento que surgiu na última década do século XIX e se espalhou para a Europa Ocidental e as Américas. A pedagogia passa por uma espécie de “revolução científica”, com a recepção dos resultados da pesquisa psicológica sobre a infância e sobre a especificidade do desenvolvimento mental da criança, começando a diversificar as atividades educativas e as disciplinas teóricas, que levará a um aumento constante da complexidade pedagógica ao longo do século.

Os temas gerais da Escola Nova podem ser resumidos da seguinte forma:

  • puerocentrismo, isto é, reconhecimento da centralidade da criança e seu papel ativo no processo educacional;
  • valorizaçao do “fazer”, isto é, atividade manual, brincar e trabalhar, que precede o conhecimento teórico em aprendizagem infantil;
  • atenção à motivação, à conexão entre o objeto de aprendizagem e o interesse real do aluno, que aprende de maneira concreta se o conhecimento estimula suas necessidades emocionais e práticas;
  • estudo do ambiente, do contexto que envolve a criança e lhe envia os estímulos que levam à aprendizagem;
  • aumento da socialização, uma das necessidades primárias da criança que deve estar satisfeita no processo educacional;
  • anti-autoritarismo, ou o distanciamento radical da tradição escolástica predominante até aquela época, onde a supremacia do adulto sobre a criança, de sua vontade e de seus objetivos sempre foi central e básica;
  • anti-intelectualismo, entendido como uma atitude libertadora em relação à organização do conhecimento, isto é, na liberdade dos aprendizes de determinar quais estudos enfrentar para construir seu próprio caminho, em vez de serem submetidos a programas de treinamento puramente culturais e objetivamente determinados.

John Dewey é o maior teórico dessa nova educação, fundindo nela seu rigor filosófico e seus interesses científicos, com a elaboração do instrumentalismo, sua versão particular do pragmatismo americano. Seu pensamento pedagógico está intimamente ligado à sua concepção filosófica e não é fácil falar de educação sem examinar o resto de sua imensa produção intelectual. Vamos nos concentrar em seu trabalho de 1916, Democracia e Educação.

No trabalho de 1916, é abordada a relação entre comunicação e educação; análogamente à nutrição e à procriação, que garantem a continuidade da vida, a comunicação garante a continuidade da vida social. Uma comunicação genuína é em si mesma educacional, tanto para quem transmite como para quem recebe, porque amplia a experiência de ambos, mas permanece o fato de que há uma diferença entre a educação recebida na vida comum e a educação implementada através da comunicação escolar: isto pode tornar-se meramente formal, acabando por criar um abismo entre os ensinamentos transmitidos e a experiência individual de aprendizagem. Na perspectiva de Dewey, a educação não pode ser reduzida à educação formalista, dado que é um processo de cultivo, de crescimento no sentido próprio da vida.

A democracia, por outro lado, é precisamente um tipo de vida associada a uma forma de governo, uma experiência continuamente comunicada na qual os vários interesses são fortalecidos em harmonia; aqui também encontramos a crítica contra o dualismo entre trabalho teórico e prático, otium e negotium: sociedades baseadas nesse dualismo ignoram o estilo de vida democrático, porque o problema da educação dentro da democracia é construir um curso em estudos que fazem do pensamento um guia livre para a prática de todos, cujo senso de responsabilidade de aceitar a realização de um serviço é recompensado com o conforto que, naquelas sociedades antidemocráticas, são privilégio daqueles que gozam da isenção do próprio serviço.

Para Dewey, portanto, a educação não é apenas um fato individual: o indivíduo não é formado à parte do ambiente que o rodeia, e é na sociedade que a educação tem seu objetivo autêntico. A educação, então, permanece como um trabalho de controle social por duas razões: por um lado, porque o ambiente social é o agente fixo que dirige a atividade individual, estabelecendo as condições em que interesses, impulsos, etc. encontrem algum caminho; por outro, porque a educação implementa valores, atesta os efeitos produzidos pela educação passada, e propõe objetivos a serem alcançados.

Por isso mesmo, o professor deve ser considerado um trabalhador social, que tem o dever de conhecer bem os problemas da sociedade; a escola, que reflete a sociedade existente, deve visar a construção de uma sociedade mais justa. O professor deve então conhecer o assunto, o método, a psicologia do aluno e os problemas da sociedade, trabalhando para melhorá-la, superá-la em um sentido progressivo, não apenas para perpetuá-la. Dewey vai além da ideia conservadora da escola como uma função de uma sociedade orgânica, assim como a ideia mecanicista de esperar por uma plena maturação da sociedade para passar para a próxima fase.

Maria Montessori é a fundadora do Método que ainda inspira escolas e processos educacionais. A importância da infância requer que ela seja cultivada em seus aspectos cognitivos, éticos e sociais, colocando a criança à luz da ciência para compreender suas disposições morais, intelectuais e físicas; o espaço educacional deve, portanto, ser ordenado e organizado para a criança, para torná-lo o ator principal no processo de aprendizagem. Central é a atividade sensório-motora da criança, que se desenvolve através de ações cotidianas e do uso de materiais educacionais cientificamente organizados na escola para estimular a audição, visão, tato, construção e capacidades conjuntas. O estímulo à socialização também é muito importante, considerado uma necessidade primária. Os mestres, por sua vez, devem adotar a perspectiva científica de aprender com sua própria experimentação, aprendendo seu treinamento por meio da interação com as crianças; o Método Montessori, portanto, também tem seu valor como um guia para os professores: experimentação, observação, simplificação, atividade físico-motora, uso de materiais para estimulação e orientação psicofísica da criança, envolvendo-o em atividades lúdicas que, ao mesmo tempo, jogam com o senso de responsabilidade, com a consciência do meio ambiente e das relações, sobre o uso do intelecto, sobre a consciência moral, sobre o compromisso etc., tudo isso constituindo uma linha educacional voltada para a conscientização pedagógica dos professores e para estimular a criatividade e autonomia das crianças.

De fato, estes devem ser capazes de realizar suas atividades livremente, não no sentido de espontaneidade (a supervisão do adulto é fundamental), mas no sentido de operar o máximo possível, interagindo com o ambiente e aprendendo a mover objetos, realocar etc., sem ter necessidade constante de ajuda de adultos. Desta forma, a educação é principalmente auto-educação. A isso se acrescenta o conceito de “mente absorvente” da criança, uma capacidade inata e poderosa de assimilação, que se expressa sobretudo na imaginação criativa, no prazer de ouvir histórias e brincar, em apego às pessoas. Estimular corretamente as qualidades da mente absorvente significa ajudar a formar homens melhores. Mesmo a criança egoísta e briguenta esconde uma natureza normal e mais profunda, que pode ser estimulada e aprimorada através da educação assim concebida.

O nó mais importante, nem sempre reconhecido à Montessori, é a conjunção de dois aspectos frequentemente contrastantes na pedagogia contemporânea, ou seja, o rigor da investigação científica aplicada à pedagogia, que se considera “objetivo e neutro” por sua natureza, com um compromisso substancialmente humanitário e político para fundamentar a pedagogia na educação dos povos para a paz e a solidariedade, o que é especialmente característico de seus últimos anos.

8. Pedagogia crítica contra funcionalismo

Por fim, vale destacar o contraste entre a pedagogia crítica e o funcionalismo, que caracteriza o debate sobre a educação nessas primeiras décadas do século XXI.

As carateristicas da escola nova, de uma maior cientificidade da educaçao e da atençao nos problemas da sociedade, a partir dos anos Sessenta acabaram gerando duas linhas pedagogicas em contraste um com a outra.

O funcionalismo é a corrente de pensamento que reúne as experiências e os métodos das ciências da educação, baseia-se sobretudo na sociologia e em suas perspectivas, propondo uma visão substancialmente neutra da pedagogia. Investiga a função social da educação, a integração dos sistemas sociais com o mundo do trabalho cada vez mais complexo, para estimular processos pedagógicos destinados a formar cidadãos capazes de se enquadrar na sociedade atual, abertos e em constante mutação, como membros produtivos em grau. contribuir de forma responsável. O estudo da sociedade como uma rede de aparatos e funções em que o sujeito está localizado, é o ponto de partida para a assunção dos parâmetros com base nos quais se estabelece a ação educativa. Segundo Niklas Luhmann, a escola é um subsistema social que seleciona e conforma, guiado por uma teoria pedagógica funcional à sociedade que a expressa; o modelo educacional do final do século XIX foi funcional para uma sociedade de baixa tecnologia, mas hoje o dinamismo da evolução tecnológica produz um desenvolvimento técnico muito rápido e, portanto, constantes transformações tornam necessário um tipo de aprendizado igualmente técnico, capaz de fornecer identifica as ferramentas e os métodos necessários para entender adequadamente o mundo ao seu redor. Conhecimento e técnicas, enfim, que tornam a educação efetiva e o cidadão eficiente, dos quais a aprendizagem ao longo da vida e o aprendizado para aprender são os principais exemplos. A educação tecnológica resulta em multimídia, no uso de máquinas para aprender, na lógica computacional, na aquisição de informações, no desenvolvimento de habilidades e na implementação de serviços. Tudo isso sempre de uma perspectiva desprovida de valores morais ou ideológicos, “objetivos” como a abordagem científica deveria ser.

É evidente que esta linha de pensamento está em clara assimetria com as demandas da pedagogia crítica: os expoentes desta acusam os tecnólogos da educação de reduzir o aluno a uma engrenagem no aparato social, perpetuando os modelos culturais dominantes e visando uma formação da pessoa em um sentido puramente executivo. A busca por uma educação em pensamento crítico encontra no jà citado Jürgen Habermas um dos principais expoentes, com sua teoria da ação comunicativa como perspectiva para a constituição da ética do discurso, que requer a preparação crítica do cidadão. A sociedade civil e a opinião pública, como vimos anteriormente, são o centro da vida social do indivíduo, a esfera pública é de fato o espaço de encontro dos sujeitos sociais que dialogam, cada qual apresentando sua própria linguagem específica, determinada por sua própria bagagem cultural e conceitual; para “sujeitos sociais” queremos dizer não apenas indivíduos, mas grupos, grupos sociais unidos por idéias e sentimentos políticos, religiosos, morais e éticos, nos quais eles baseiam sua identidade. Quando se encontram e trocam informações, contribuem para formar a opinião pública, que então influencia as decisões e tendências coletivas. Portanto, a capacidade de entender uns aos outros, entender o que os outros querem dizer quando usam certas palavras ou conceitos torna-se fundamental (por exemplo, esclarecer o que significa “liberdade” ou “igualdade” dependendo de quem usa esses conceitos) que deriva de uma educação racional e crítica (que não pode ser neutra quando a própria educação é uma expressão da sociedade, portanto imersa na tensão entre a reprodução desta e suas demandas ideológicas e a superação de novas formas). Por outro lado, os expoentes das teorias funcionalistas consideram a pedagogia crítica demasiado política, ditada por posições ideológicas muito precisas e mais propensa a produzir manifestantes radicais do que as inteligências críticas. O debate / confronto entre essas duas correntes é aberto, difícil de compensar devido à grande diferença de pressupostos básicos e está destinado a durar muito tempo.

Conclusao: tanto o patrimonio cultural, quanto a cidadania, tem que ser potegidas pelas instituiçoes e valorizadas pelos cidadaos. Quem quiser aprofundar os topicos dessa palestra, è sò me mandar um email, e irei providenciar mais material. Muito obrigado.